terça-feira, 26 de abril de 2011

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Max Weber


WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução Pietro Nassetti. Editora Martin Claret.  

1º- (...) o fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas, são predominantemente protestantes. (pag. 39)

2º- A regra da Igreja Católica, “punido o herege, mas perdoando o pecador”- mais no passado do que no presente-, é hoje tolerada pelas pessoas de caráter econômico completamente moderno, e nasceu entre as camadas mais ricas e economicamente mais avaçadas do planeta por volta de século XV. (pag. 40)

3º- (...) O católico é mais quieto, tem menor impulsom aquisito; prefere uma vida a mais segura possível, mesmo tendo menores rendimentos, a uma vida mais excitante e cheia de riscos, mesmo que esta possa lhe propiciar a oportunidade de ganhar honrarias e riquezas. Diz o provérbio, jocosamente: “Coma ou durma bem: neste caso, o protestante prefere comer bem, e o católico, dormir sossegada”. (pag.43)

4º- (...) espírito protestante e a cultura capitalista moderna, deveremos tentar encontrá-la, bem ou mal; não na alegria de viver mais ou menos materialista, ou ao menos antiascéticas, mas em suas características puramente religiosas. Montesquiei diz dos ingleses que “foram, de todos os povos, os que mais progrediram em três aspectos importantes: na religião, no comércio e na liberdade”. (pag. 45-46)

5º- Lembra-te que o dinheiro é de natureza prolífica e geradora. O dinheiro pode gerar mais, e assim por diante. (pag. 48)

6º- Lembra-te do ditado: o bom pagador é dono da bolsa alheia. Aquele que é conhecido por pagar exata e pontualmente na data prometida pode, a qualquer momento e em qualquer ocasião, levantar todo o dinheiro de que seus amigos possam dispor. (pag. 48)

7º- (...) A honestidade é util, pois assegura o crédito; e é assim com a pontualidade, com a industriosidade, com a frugalidade, e essa é a razão pela qual são virtudes. (...), que a aparência de honestidade serviria ao mesmo proposito quando fosse suficiente... (pag. 50)

8º- De fato, o summum bonum dessa ética, o ganham mais e mais dinheiro, combinado com o afastamento estrito de todo prazer espontâneo de viver é acima de tudo, completamente isento de qualquer mistura eudemonista, para não dizer hedonista; é pensado tão puramente como um fim em si mesmo, que do ponto de vista da felicidade ou da utilidade para o individuo parece algo transcendental e completamente irracional. O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da vida. (pag.51)

9º- (...) a pergunta porque devemos fazer dinheiro às custas dos homens, o próprio Benjamin Franklin, embora não fosse um deista convicto, responde em sua autobiografia com uma citação da Biblia que lhe fora inculcada pelo pai, rígido calvinista, em sua juventude: “Vês um homem diligente em seus afazres? Ele estará acima dos reis”. (Provérbios 22,29). (pag. 51)

10º- (...). O capitalismo atual, que veio para dominar a vida econômica, educa e seleciona os sujeitos de quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do mais apto. (pag. 52)

11º- (...) contra o qual o espírito do capitalismo, entendido como padrão de vida definido e que clama por sanções éticas, teve de lutar foi esse tipo de atitude e reação contra as novas situações, que poderemos designar como tradicionalismo. (pag.55)

12º- (...). O homem não deseja “naturalmente” ganhar mais e mais dinheiro, mais viver simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o necessário para isso. (pag. 56)

13º- A forma de organização era, em todos os seus aspectos, capitalistas; às atividades do empreendedor tinham um caráter puramente comercial; o uso do capital investido no negócio era indispensável, (...) o espírito que animava o empresário, tratava-se de um negócio tradicionalista: tradicional o modo de vida, tradicional a margem de lucro, tradicional a quantidade de trabalho, tradicional o modo de regular as relações com o trabalho e essencialmente tradicional o círculo de clientes e o modo de atrair novos. (pag. 60-61)

14º- (...) os ricos morriam, eram transferidas para as intituições religiosas como divida de consciência, e por vezes até retornavam como usura aos devedores anteriores, de quem tinham sido cobradas injustamente. (pag. 65)

15º- Trabalham a serviços de uma organização racional para suprir a humanidade de bem materiais certamente jamais deixou de representar para o espírito capitalista um dos mais importantes propósitos da vida profissional. (pag. 66)

16º- (...) no sentido numérico populacional e de volume de negócios que o capitalismo associa à palavra, fazem parte, obviamente, da satisfação específica e certamente idealista da vida do moderno homem de negócios. (pag. 67)

17º- Poderia então paracer que o desenvolvimento do espírito capitalista seria mais bem compreendido coo sendo parte do desenvolvimento do racionalismo como um todo, e que poderia ser deduzido das posições fundamentais do racionalismo sobre os problemas básicos da vida. (pag. 67)

18º- (...)- racionalizar a vida a partir de pontos de vista fundamentalmente diferentes e em direção muito diferentes. (pag. 68)

19º- O único modo de vida aceitável por seus não estava na superação da moralidade mundana pelo ascetismo monástico, mas unicamente no cumprimento das obrigações impostas ao individuo pela sua posição no mundo. (pag. 70)

20º- Os circulos religiosos que celebram hoje com muito entusiasmo os grandes resultados da Reforma não são amigavéis para com qualquer forma de capitalismo. (pag. 71)

21º- Cromwell (...), escreveu ao parlamento: “Seja do agrado reformar os abusos de todos as profissões: e se houver alguma que faça pobres a muitos e ricos a poucos, ela não convém à comunidade”. (pag. 71)
22º- Poder-se-ia atingir a salvação em qualquer caminho da vida; na curta peregrinação da vida não faria sentido dar importância ao tipo de profissão. (pag.73)

23º- (...). Sua vocação é algo que o homem deve aceitar como uma ordem divina, à qual deveria se adaptar. (pag. 73)

24º- Na história, houve quatro formas principais de protestantismo ascético (...): o calvinismo, na forma que assumiu na principal área de influência na Europa ocidental, especialmente no século XVII, o pietismo, o metodismo e as seitas que se desenvolveram a partir do movimento batista. (pag.81)

25º- (...) O homem daquele tempo se preocupa com dogmas abstratos em uma extensão que, por si só, só pode ser compreendida quando percebemos a conexão desses dogmas com interesses religiosos práticos. (pag. 83)

26º- “Capitulo III (do Decreto Eterno de Deus), nº 3. Por decreto de Deus, por manifestação de Sua glória, alguns homens e anjos são predestinados à vida eterna, e outros são fadados à morte eterna”. (pag. 84)

27º- (...), Deus não existe para os homens, mas os homens existem por causa de Deus. Toda a criação, até mesmo o fato, indubitável para Calvino, de que só poderia ter significado como um meio para a glória e majestade de Deus. (pag. 86)

28º- (...). Tudo o mais, até mesmo o significado de nosso destino individual, está envolto em tenebroso mistério que seria impossível esclarecer e presunçoso questionar. (pag. 86)

29º- (...)- a eliminação da magia do mundo, que começara com os antigos profetas hebreus e juntamente com o pensamento científico helenistico-repudiou todos os meios mágicos para a salvação como sendo superstição e pecado, atingindo aqui a sua conclusão lógica. (pag.88)

30º- (...), e Bailey exorta abertamente a não se confiar em ningém e a não se dizer nada de comprometedor para quem quer seja. (pag.88)
31º- O mundo existe para servir à glorificação de Deus, e só para esse propósito. Os cristãos eleitos estão no mundo apenas para aumentar a glória de Deus, obedecendo a Seus Mandamentos com o melhor de suas forças. Deus, porém, requer realizações sociais dos cristãos, porque Ele quer que a vida social seja organizada conforme Seus Mandamentos,... (pag. 90)

32º- (...). O amor fraternal, uma vez que só poderia ser praticado pela glória de Deus e não em benefício da carne, (...) (pag. 90)

33º- (...) o conhecimento de que Deus havia feito a escolha, dependendo, além disso, apenas daquela confiança implícita em Cristo, que é o resultado da verdadeira fé. (pag. 91)

34º- (...) Lutero prometia a Graça se eles se entregassem confiantes a Deus em uma fé penitente foram produzidos esses santos autoconfiantes, a quem podemos redescobrir nos rígidos mercantes puritanos dos tempos heróicos do capitalismo e, em exemplos isolados, também na atualidade. (pag. 92)

35º- (...). O nome em si, desconhecido pela fé reformada sob essa forma, sugere um sentimento de verdadeira absorção na divindade, uma entrada real de Deus na alma do crente. É qualitativamente similar ao objetivo da contemplação dos místicos alemães, e é caracterizada pela sua busca passiva do preenchimento do anseio do descanso em Deus. (pag. 93)

36º- O crente religioso pode assegurar-se de seu estado de graças quer se sentindo como recipiente do Espírito Santo quer se sentido instrumento da vontade divina. (pag. 93)

37º- Na prática, isso significa que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo. Assim, o Calvinista, como à vezes se diz, criava por si a própria salação ou, como seria mais correto, a convicção disso. Mas esta salvação não poderia, como no catolicismo, consistir em um gradual acúmulo de boas ações individuais para crédito pessoal,e sim em um autocontrole sistemático que a qualquer momento se desfronta com a alternativa inexorável – escolhido ou condenado. (pág. 94-95)

38º- Na prática. Isso significa que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo. Assim, o Calvinista, como à vezes se diz, criava por si a própria salvação ou, como seria mais correto, a convicção disso. Mas esta salvação não poderia, como no catolicismo, consistir em um gradual acúmulo de bons ações individuais para crédito pessoal, e sim em um autocontrole sistemático que a qualquer momento se defrontaria com  a alternativa inexorável- escolhido ou condenado. (pág. 94-95)

39º- (...). O Deus do Calvinismo exigia de seus crentes não boas ações isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado. Não havia lugar para o ciclo, muito humano, dos católicos, de pecado, arrependimento, reparação e libertação, seguido de um novo pecado. Nem havia balança alguma de mérito para uma vida como um todo, que pudesse ser ajustada por punições temporais ou pelos meios da graça das Igrajas. (pág.96)

40º- (...). A influência da sabedoria temente a Deus, mas perfeitamente sem emoção, dos hebreus, como está expressa nos livros mais lidos pelos puritanos, os Provérbios e os Salmos, pode ser percebida em sua atitude diante da vida...(pág.100)

41º- Alguém que tenha entrado alguma vez em dívida poderá pagar os juros acumulados por meio do produto de suas boas ações, mas nunca pagar a dívida principal. (pág.104)

42º- Historicamente, a doutrina da predestinação é também o ponto de partida do movimento ascético geralmente conhecido como pietismo. (pág. 104)

43º- (...); 2) “a Provedência de Deus trabalham por meio daqueles que estão em tal estado de perfeição”, isto é, Ele lhes dá Seus sinais, se eles esperarem pacientemente e deliberarem metodicamente. (...); e o próprio Deus abençoava Seus eleitos por meio do sucesso de seu trabalho, coisa inegável para eles e, como veremos mais adiante, também para os puritanos. (pág.107)

44º- (...). Sem a luz interior, o homem natural, mesmo se guiado pela razão natural, continuaria sendo puramente uma criatura da carne, cuja irreligiosidade era condenadas pelos batistas, inclusive os quacres, quase mais duramente do que pelos calvinistas. (pág. 116-117)
45º- (...). A finalidade dessa espera silenciosa é sobrepujar tudo o que é impulso e irracional, as paixões e os interesses subjetivos do homem natural. Ela é a de se aquietar, para criar aquele profundo repouso da alma, única condição em que a palavra de Deus pode ser ouvida. Naturalmente, essa espera pode resultar em condições histéricas, profecias, e, enquanto perdurarem esperanças escatológicas, em certas circunstâncias, até mesmo na eclosão de entusiasmo quiliástico, como é possível em todos os tipos similares de religião. (pág.117)

46º- (...), a imensa importância atribuída pela doutrina batista da salvação ao papel da consciência como revelação de Deus ao individuo deu à sua conduta na vida laica um caráter que teve o maior significado no desenvolvimento do espírito do capitalismo (...). (pág. 119)

47º- (...) “a honestidade é a melhor politica”. (...) Na direção da liberação de energia para a aquisição privada. Apesar de todo o legalismo formal dos eleitos, a observação de Goethe de fato se aplica muitas vezes ao calvinismo: “O homem de ação é sempre impiedoso; nenhum tem consciênciamas observação.” (pág. 119)

48º- (...). Para um tempo em que o além significava tudo, quando a posição social de um cristão dependia de sua comunhão, os clérigos, com seu ministério, a disciplina da Igreja e a pregação exerciam uma influência ( que pode ser apreciada nas coleções dos consilia, dos casus conscietial, etc.) que nós, homens modernos, somos totalmente incapazes de imagina. Naquele tempo as forças religiosas que se expressavam por esses canais eram as influências decivisas na formação do caráter nacional. (pág. 122)

49º- (...). A riqueza em si constitui grande perigo; suas tentações não têm fim, e sua busca não é apenas sem sentido, se comparada com a importância superior do Reino de Deus, mas também moralmente suspeita. (pág. 123)

50º- (...). A verdadeira objeção moral é quanto ao afrouxamento na segurança da posse, ao gozo da riqueza com o subsequente óscio, às tentações da carne e, acima de tudo, ao desvio da busca de uma vida de retidão (...). Pois o eterno repouso dos santos se encontra no outro mundo; o homem sobre a terra deve, para ter certeza deste estado de graças, “ trabalhar naquilo que lhe foi dstinado, ao longo de toda a sua jornada.” ( pág.123)

51º- (...) à produção da riqueza privada, o ascetino condenava tanto a desonestidade como a avarea compulsiva. O que condenava como ganância, “mamonismo”, etc. era a buca da riqueza por si mesma, pois a riqueza é em si uma tentação. Mas aí o ascetismo era o poder de “sempre querer o bem, embora se crie o mal”; o mal, neste sentido, era a posse e suas tentações. (pág. 133)

52º- (...) “aqueles que ganham tudo o que podem e guardam tudo o que podem” também dêem tudo o que puderem, para assim crescer na graça e ajustar um tesouro no céu. (pág. 136)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Citações do livro O Príncipe, Maquiavel


MAQUIAVEL. O Príncipe; Comentado por Napoleão Bonaparte. Tradição: Pietro Nassatti 7ª edição. Editora afiliada.

1º - (...) para conhecer bem a natureza do povo é precioso ser príncipe, e para conhecer melhor a natureza dos príncipes é preciso ser do povo. (pag. 14)

2º - Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários, quando por muitos anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou foram fundados recentemente. (pag. 15)

3º - (...) os homens mudam de governantes com grande facilidade, esperando sempre uma melhoria. Essa esperança os leva a se levantar em armas contra os atuais. E isto é um engano, pois a experiência demonstra mais tarde que a mudança foi para pior. (pag.18)

4º - Passa-se algo parecido com a tísica, que, conforme os médicos, no princípio é fácil de curar de diagnosticar, e que, com o tempo, quando não é desde logo reconhecida e tratada, torna-se fácil de reconhecer e difícil de tratar. É o que ocorre com os negócios do Estado: pois a antevisão (o que só é dado ao homem prudente) dos males que virão torna possível curá-los facilmente. Porém, quando esses males se avolumam, por falta de tal previsão, de modo que todos podem já reconhecê-los, não há mais remédio que possa controlá-los. (pag. 24)

5º - O desejo de conquista é algo muito natural e comum; aqueles que obtêm êxito na conquista são sempre louvados, e jamais censurados; os que não têm condições de conquistar, mas querem fazê-lo a qualquer custo, cometem um erro que merece ser recriminado. (pag. 26)

6º - (...). No curso da história, os reinos têm sido governados de duas formas: por um príncipe e seus assistentes, que, na qualidade de ministros, o ajudam a administrar o país, agindo por sua graça e licença; ou por um príncipe e vários barões, cuja posição não se explica por uma mercê do soberano, mas pela antiguidade da própria linhagem. Esses barões têm súditos e territórios próprios, onde são reconhecidos como senhores, e aos quais estão ligados por laços de natural afeição. Nos Estados Unidos governados por um príncipe e seus ministros, o monarca tem maior autoridade, pois em tais reinos ninguém é tido como superior. Se obedece a alguém é porque se trata de um ministro ou funcionário do príncipe- o que não inspira qualquer estima particular. (pag. 29-30)

7º - (...). Nas repúblicas, por outro lado, há mais firmeza, brio, maior ódio, e desejo de vingança; não poderão abandonar a memória de sua antiga liberdade. (pag. 34)
8º - (...) na verdade, os homens seguem quase sempre caminhos já percorridos por outrem, agindo por imitação. (pag.35)

9º - Aqueles que se tornam príncipes pelo seu valor conquistam domínios com dificuldades, mas os mantêm facilmente; a dificuldade se origina em parte nas inovações que são obrigados a introduzir para organizar seu governo com segurança. (pag.37)

10º - (...). Quando os ricos percebem que não podem resistir à pressão da massa, unem-se, prestigiando um dos seus e fazendo-o príncipe, de modo a poder perseguir seus propósitos à sombra da autoridade soberana. O povo, por outro lado, quando não pode resistir aos ricos, procura exaltar e criar um príncipe dentre os seus que o proteja com sua autoridade. Quem chega ao poder com a ajuda dos ricos tem maior dificuldade em manter-se no governo do que é apoiado pelo povo, pois está dirigi-los ou ordenar tudo o que lhe apraz. (pag. 56-57)

11º - (...) o soberano está obrigado a ter sempre o mesmo povo, mas pode facilmente dispensar a mesma nobreza, podendo fazer e desfazer os nobres a qualquer momento, cocedendo-lhes ou retirando-lhes o prestígio de que desfrutam à sua vontade. (pag.58)

12º - (...), quem se tornar um príncipe pelo favor do povo deve manter sua estima- o que não lhe será difícil, pois a única coisa que o povo pede é não ser oprimido. (pag. 58)

13º - (...). Tão fortes e de tal qualidades são estes que pertimem aos príncipes se manterem no poder qualquer que seja sua conduta e modo de vida. Só esses príncipes podem ter Estados sem defendê-los e súditos sem governá-los; e seus Estados, mesmo sem ser defendidos, não lhes são tomados. Não sendo governado, o povo não se ressente com sua autoridade, nem pensa poder subtrair-se a ela. Somente esses Estados, portanto, são seguros e felizes. (pag.64)

14º - (...). E como não pode haver boas leis onde não há bons soldados, devendo haver boas leis quando os soldados são bons... (pag. 67)

15º - (...) os príncipes os pecados, (...) (pag. 68)

16º - (...), como os exércitos servem ou a um príncipe ou a uma república, é o príncipe que deve colocar-se em pessoa no comando, e a república deve enviar para comandá-lo um dos seus próprios cidadãos. (pag. 68)

17º - As forças auxiliares, pedidas a um vizinho poderoso como ajuda para a defesa do Estado, são tão inúteis quanto às mercenárias. (...). As tropas auxiliares podem ser si mesmas eficazes, mas são sempre perigosas para os que delas se valem-se são vencidas, isto representa uma derrota; se vencem, aprisionam quem as utiliza. (pag.73)

18º - Em conclusão, nenhum príncipe pode ter segurança sem seu próprio exército, pois, sem ele, dependerá inteiramente da sorte, sem meios confiáveis de defesa, quando surgirem dificuldades. Os sábios sempre souberam e proclamaram que quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama potentiae non sua vi nixa – “nada é tão fraco e instável quanto a fama de uma potência que não se apóia na própria força. (pag.77)

19º - (...), não podemos comparar um homem armado e um homem desarmado... (pag. 79)

20° - Os príncipes nunca devem permitir, portanto, que seus pensamentos se afastem dos exercícios bélicos; exercícios que devem praticar na paz mais ainda que na guerra, de duas formas: pela ação física, além de manterem seus homens bem disciplinados e exercitados, devem praticar sempre a caça, que habitua o corpo às agruras. A caça ensina a natureza das regiões, a posição das montanhas, a abertura dos vales, e extensão das planícies; a compreender a natureza dos rios e dos pântanos, o que requer muita atenção. (pag. 79)

21º - (...). De fato, o modo como vivemos é tão diferente daquele como deveríamos viver, que quem despreza o que se faz e se atém ao que deveria ser feito aprenderá a maneira de se arruinar, e não a defender-se. Quem quiser praticar sempre a bondade em tudo o que faz está fadado a sofrer, entre tantos que não são bons. (pag.82)

22º - (...) ser considerado liberal; a liberdade, contudo, praticada  de modo que seja vista por todos, prejudicará o príncipe. Se praticada com virtude, do modo apropriado, não será reconhecida, levando à reputação do vício contrário. Quem quiser ganhar reputação de liberalidade não descuidará de praticar atos suntuosos.(...) (pag.84)

23º-Chegamos assim à questão de saber se é melhor ser amado do que temido. A resposta é que seria desejável ser ao mesmo tempo amado e temido, mas que, como tal combinação é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for preciso optar. De fato, pode-se dizer dos homens, de modo geral, que são ingratos, volúveis, dissimulados; procuram se esquivar dos perigos e são gananciosos; se o príncipe os beneficia, estão inteiramente do seu lado.(...) (pag.88)

24º- (...). Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha. (pag. 89)

25º - (...), com respeito ao ser temido e amado, que os homens amam de acordo com seu próprio arbítrio, mas temem segundo a vontade do príncipe; portanto, o príncipe sábio deve apoiar-se nos meios a seu alcance, e não no que depende do poder alheio, devendo apenas evitar o ódio, como já se explicou. (pag.90-91)

26º- Todos sabem que é louvável em um príncipe manter a palavra empenhada, e viver com integridade e não com astúcia. Entretanto, a experiência dos nossos dias mostra que os príncipes que tiveram pouco respeito pela palavra dada puderam com astúcia confundir a cabeça dos homens e chegaram a superar os que basearam sua conduta na lealdade. (pag.92)

27º- (...). A parábola desse professor meio-humano e meio-animal adverte que um príncipe deve saber usar as duas naturezas, e que qualquer uma delas sem a outra não é duradoura. (pag.93)

28º- (...), que quem quiser enganá-los encontrará sempre quem se deixe enganar. (pag.93)

29º- (...), é bom ser e parecer piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso; mas é preciso ter a capacidade de se converter aos atributos opostos, em caso de necessidade. (pag. 94)

30º- (...). De modo geral, os homens julgam mais com os olhos do que com o tato: todos podem ver, mas poucos são capazes de sentir. Todos vêem nossa aparência, poucos sentem o que realmente somos, e estes poucos não ousarão opor-se à maioria que tenha a majestade do Estado a defendê-la. Na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra a qual não há recurso, os fins justificam os meios. ( pag.95)

31º- (...). Um dos remédios mais poderosos contra as conspirações é não ser odiado pela massa popular; o conspirador acredita sempre que a morte do soberano satisfará o povo; se não acreditasse nisso, teria medo de se empenhar em tal empreitada, pois as dificuldades a serem vencidas são incontáveis. (pag.97)

32º- (...) príncipes devem estimar os grandes, mas evitar o ódio do povo. (pag.100)

33º- (...). Nenhum Estado deve crer que pode sempre seguir uma política segura; ao contrário, deve pensar que todos os caminhos são duvidosos. (pag.120)

34º- Há três tipos diferentes de mente: um compreende as coisas por si só; o segundo compreende as coisas demonstradas por putrem; o terceiro nada consegue discernir, nem só, nem com a ajuda dos outros. (pag.123)

35º-  (...) . O imperiador é um homem discreto, não comunica seus propósitos a ninguém, nem recebe conselhos; mas quando age seus desígnios tornam-se manifestos e, descobertos, começam a ser criticados pelos que o cercam, o que o faz desviar-se do seu propósito. Em consequência, o que ele faz um dia, desfaz no dia seguinte; ninguém pode compreender o que deseja ou pretende, e suas deliberações deixam a todos na incerteza. (pag.126)

36º- (...) para os homens o presente é muito mais importante do que o passado; quando encontram o bem-estar no presente, limitam-se a gozá-lo, e nada mais procuram; de fato, farão tudo o que puderem para defendê-lo. (pag. 128)

37º- Vê-se, de fato, que, quanto a atingir os objetivos comuns a todos (a saber, a gloria e as riquezas), varios caminhos são seguidos: um emprega a cautela, outro, o ímpeto; um, a violência, outro, a astúcia; um a paciência, outro, a impaciência. E todos podem atingir seus objetivos seguindo caminhos diferentes. (pag.133)

38º-(...) “a guerra é justa para aqueles a quem é necessária; e as armas são sagradas quando nelas reside a última esperança”. (pag.138)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Escrita da História, Michel de Certeau


Certeau, Michel de, 1925-1986. A Escrita da história/Michel de Certeau; tradução de Maria de Lourdes Menezes: revisão técnica de Arno Vogel. -ed 2. Ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

A história religiosa é o campo de um confronto entre a historiografia e a arqueologia da qual parcialmente tomou lugar. Secundariamente, permite analisar a relação que entrelaça a história com a ideologia da qual deve dar conta em termos de produção. As duas questões se entrecruzam e podem ser consideradas em conjunto no setor estreitamente circunscrito do “tratamento” da teologia por métodos próprios à história. (pág. 31)

Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o pensável e a origem, de acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende” (pág. 33.)

Globalmente, desde há três séculos, no que concerne à França, a história religiosa parece marcada por duas tendências: uma originária das correntes espirituais, fixa o estudo na análise das doutrinas, a outra, marcada pelas “Luzes”, coloca a religião sob o signo das superstições. (pág.34)

 A História da Loucura criou o signo desse momento em que uma cientificidade ampliada se confronta comas zonas que abandona como seu resíduo ou reverso inteligível. A ciência histórica vê crescer, com seu progresso, as regiões silenciosas do que não atinge. (pág.50)

“... existe em cada história um processo de significação que visa sempre preencher o sentido da história: o historiador é aquele que reúne menos os fatos do que os significantes. Ele parece contar os fatos, enquanto efetivamente, enuncia sentidos que, aliás, remetem o notado a uma concepção do notável”. (pág. 52.)


 A história cairia em ruínas sem chave de abóbada de toda a sua arquitetura: a articulação entre o ato que propõe e a sociedade que reflete; o corte, constantemente questionado, entre um presente e um passado; (pág.54)

A escrita histórica se constrói em função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito, obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesma. (pág.66)

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural. (pág.66)

 A história não reconstitui a verdade do ocorrido no passado. Vivemos no tempo da desconfiança em que “Mostrou-se que toda interpretação histórica depende de um sistema de referência; que este sistema permanece uma filosofia implícita particular; que se infiltrando no trabalho de análise, organizando-o à sua revelia, remete à subjetividade do autor”. (pág. 67)

 “Fazer história” é uma prática. Sob este ângulo podemos passar para uma perspectiva mais pragmática, considerando os caminhos que se abrem sem se prender mais à situação epistemológica que, até aqui, foi desvendada pela sociologia da historiografia. (pág.78)

O historiador trabalha em cima de um material para transformá-lo em história. Empreende uma manipulação que obedece a regras. “Quando o historiador supõe que um passado já dado se desvenda no seu texto, ele se alinha com o comportamento do consumidor. Recebe, passivamente, os objetos distribuídos pelos produtores”. (pág. 80)

“A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina”. (pág. 108)

A linguagem permite a uma prática situar-se com relação ao seu outro, o passado. Com efeito, ele mesmo é uma prática. A historiografia se serve da morte para articular uma lei (do presente). Ela não descreve as práticas silenciosas que a constroem, mas efetua uma nova distribuição de práticas já semantizadas. (pág.108)

A história fornece “fotos” destinados a preencher os quadros formais determinados por uma teoria econômica, sociológica, demográfica ou psicanalítica. Esta concepção tende a situar a história ao lado dos “exemplos” que devem “ilustrar uma “doutrina” definida noutro lugar”. (pág.125)


(...). Jean-Jacques Rousseau designa a mutação que se completou, quando escreve a Voltaire: “O dogma não é nada, a moral é tudo”. Da mesma forma, para a Enciclopédia, “a moral prevalece sobre a fé... por que quase toda a moral (...) é de natureza imutável e permanecerá por toda a eternidade, enquanto a fé não mais subsistirá e será transformada em convicção. (pag. 154)

(...). Ao mesmo tempo, a doutrina de ontem se transforma num fato de “crença”, é uma “convicção” (quer dizer, uma opinião combinada com uma paixão), ou uma “superstição”, em suma, o objeto de uma analise articulada por critérios autônomos. (...). Uma “ciência dos costumes”, de agora em diante, julga a ideologia religiosa e seus efeitos, lá onde a “ciência da fé” classificou os comportamentos em uma subseção intitulada “teologia moral”... (pag. 154)

Uma apologética prolifera numa atmosfera onde as violências e as “controvérsias” entre grupos religiosos crescem com a suspeita que atinge seus imperativos particulares. Mesmo a filosofia cristã é mobilizada pela tarefa que Malebranche definiu como: “Descobria através da razão, entre todas as religiões aquela que Deus estabeleceu.” (pag. 156)

Para reencontrar a certeza através de unidade é preciso, pois: ou remontar a uma religião natural, mais fundamental que as religiões históricas, todas contingentes: ou tentar levar, para uma destas religiões todas as suas rivais, que se hão de considerar “falsas”, graças ao estabelecimento de “marcas” garantido a “verdadeira”. (pag. 157)

(...). No século XVIII será considerada com um olho já etnográfico pelos “observateus de I’homme”. O próprio termo que a designa muda de sentido. Religião não significa mais uma Ordem religiosa ou a Igreja no singular: “religião de agora em diante, se pode dizer no plural”. (...) existe aí um conjunto que é preciso compreender, critica ou situar segundo critérios que não são os seus (...). O conteúdo da crença se oferece a analise, a partir de um distanciamento com relação ao ato de crer. A religião tende a se tornar um objeto social e, portanto, um objeto de estudo, deixando de ser para o individuo aquele que lhes permite pensar ou se conduzir. (pag. 157)

(...). A razão de Estado já reordena o país como empresa capitalista e mercantilista. Ela também enquadra as crenças: “Governar é fazer crer”. Nesta racionalização política das convicções e das mentalidades, Mersenne via como legitima uma “manutenção dos espíritos”, Campanella, uma “guerra espiritual”, uma cruzada, o equivalente do “combate espiritual”. (pag. 160)

A vontade de “dizer” uma fé se acompanha se um recuo para o “interior” ou para “fora do mundo”. (pag.165)

(...) Montesquieu dirá dos cristãos que eles “não são mais firmes na sua incredulidade do que na sua fé; vivem num fluxo e refluxo que os leva sem cessar de uma à outra”. Humorística talvez, lúcida em todo caso, sua observação indica a dificuldade destes cristãos de encontrar balizadas sociais para sua fé... (pag. 166)

(...) a “heresia tradicional”, forma social modelada numa verteologica, se torna cada vez menos possível. (pag. 172)

(...) a razão tem seu próprio tesouro guardado no povo e inscrito na historia. Ela o transforma, mas recebendo-o daquilo que a precedeu. Um fluxo popular, de onde tudo provem, ascende; finalmente, dizendo-se sua cabeça de ponte, a ciência esclarecida confessa, também, não ser senão a metáfora dele. (pag. 175)

O dicionário se torna instrumento teológico. Quando a linguagem religiosa é pervertida por um uso é “difícil de conhecer” e que remete ao insondável das “intenções” ou do “coração”. (pag.224)

(...), Joana dos Anjos é a vez de tal ou qual demônio que a possui. São discursos escritos na diferença dos tempos, quando ela se objetiva dizendo: “Eu era, eu fazia”. (...) Joana dos Anjos pode falar como possuída, mas não pode escrever como possuída. A possessão não é senão uma voz. Desde que Joana passa à escrita ela diz o que fazia, pensa no passado, descreve um objeto distante dela sobre o qual, a posterior, pode, aliás enunciar o discurso do saber.(pag. 252)

(...). O mundo se transforma em espaço; o conhecimento se organizar como olhar, em Pascal, com toda a dialética da distancia ou do “ponto de vista” do observador, e em Descartes, com a filosofia cogito operando um trabalho de distinção na e com relação à “fabula do Mundo”.(pag.264)

“A etnologia, diz ele, se interessa, sobretudo, pelo que não está escrito”. (pág. 212)

 A propósito de uma tradição oral dos Tupis concernente ao dilúvio que teria afogado “todos os homens do mundo, exceto suas avós, que se salvaram sobre as mais altas árvores de seu país”, Léry observa que “estando privados de toda espécie de escrita lhes é penoso reter as coisas em sua pureza; eles acrescentaram a está fábula, como os poetas, que seus avôs se salvaram sobre as árvores”. (pág. 218)

Os “ruídos” que chegam da festa dos homens-selvagens, assim como os “sons inarticulados” que assinalam a dos “homens-mulheres”, não têm conteúdo inelegível.  (pág. 229)

A nudez destas mulheres da noite, loucas de prazer, é uma visão muito ambivalente. Sua selvageria fascina e ameaça. Ela vem do mundo desconhecido onde estão as índias tupi, segundo Léry, as únicas a trabalhar incansavelmente, ativas e vorazes, também, as primeiras a praticar a antropofagia. (pág. 231 e 232)

Este primeiro estudo, La Possession de Loundun, tratava de compreender o espetáculo diabólico como um fenômeno social, examinando nele as regras as quais o jogo de personagens obedecia no campo religioso, médico ou político, e por outro lado, as relações que os processos de aculturação social mantinham com uma lógica do imaginário. (pág. 245)

Uma perturbação já faz parte do documento tal como ele nos chega, e não se pode identificar com o texto perguntas-respostas à possessão que nele se revela. (pág. 252)

Joana dos Anjos pode falar como possuída, mas não pode escrever como possuída. (pág. 252)

Os textos das possuídas não fornecem a chave de sua linguagem, que permanece indecifrável para elas mesmas. (pág. 255)

Se, portanto, “o nome próprio permanece sempre do lado da significação”, ele se situa no “limiar” marcado por uma descontinuidade entre o ato de significado e o de mostrar. (pág.259 e 260)

Entrar neste repertorio e descobrir um lugar, mas um lugar que oscila do rito ao teatro é que comprometido pelas interferências do dicionário dos demônios com o das famílias ou o dos nomes religiosos (Joana dos Anjos, Luiza de Jesus). (pág. 262)

A hagiografia é um gênero literário, que no século VII, chamavam-se também de hagiologia ou hagiológica. (pág. 266)

A vida de santo se inscreve na vida de um grupo, igreja ou comunidade. (pág. 269)

A mais antiga menção de uma hagiografia na literatura cristã eclesiástica é uma condenação: o autor (um padre) foi degradado por haver cometido um apócrifo. (pág. 271)

A hagiografia oferece um imenso repertorio de temas que, freqüentemente historiadores, etnólogos e folcloristas exploram. (pág. 275)

A palavra historia oscila entre dois pólos: a história que é contada (Histoire) e a que é feita (Geschichte) (pág. 281)  

A psicanálise não constitui uma nova seqüência no progresso de um engodo sempre acrescido pela capacidade de desmistificar e pela própria lucidez. (pág. 292)

Para Haitzmann, seu trabalho ascético de religioso o dispensa ainda do trabalho que consistiria em “assegurar“ ele mesmo” sua existência”; pede praticar uma lei comum à qual se abandona e se consagra para não ser abandonado. (pág. 293)

Freud traça uma linha de demarcação entre estas duas vertentes da pratica psicanalítica, quando menciona o principio imperceptível que usa como uma navalha, para recortar significantes na superfície de um discurso ou de um texto. (pág. 297)

a erudição pode, comodamente, dar conta de “Moisés e o monoteísmo” citando-o no lugar dos textos sérios. (pág. 301)

 “Moisés o egípcio” este é o “ponto de partida” de um trabalho analítico. (pág. 302)

a fábula freudiana se anuncia “analítica” porque restaura ou confessa o corte que em todo lugar volta e se desloca “romanesca” porque não aprende nunca senão substitutos de outra coisa e de estabilidades ilusórias com relação à divisão que as faz roçar no mesmo lugar. (pág. 307)

O texto nasce da relação entre uma partida e uma divida. (pág. 310)

É necessário morrer de corpo para que nasça a escrita. (pág. 314)

O que se inscreve nos textos - e no romance de Freud – é o seu luto, já que o trabalho de “fechar os olhos” do “pai” anuncia igualmente a lei de seu retorno. (pág. 320)

A lenda judia do nascimento de Moisés “difere de todas as outras lendas do mesmo gênero”; “ocupa a parte e contradiz mesmo a outras num ponto essencial”: (...). (pág. 325)

A inversão, na verdade, não é senão uma variante. (pág.325)

É verdade, a historiografia “conhece” a questão do outro. (pág. 333)

Para Freud, o problema religioso é indissociável da sua tradição. (pág. 334)

A comunicação é sempre a metáfora do que oculta. (pág. 336)

O romance de Freud é a teoria da ficção cientifica. (pág. 337)




Citações do livro Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre


LIVRO: Casa Grande e Senzala
AUTOR: Gilberto Freyre

1º-Com relação ao Brasil, que o diga o ditado: “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar”; ditado em que se sente, ao lado do convencialismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta, a preferência sexual pela mulata... (pág.72)

2°-No Brasil, tanto São Paulo como Pernambuco - os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização, os produtos no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical – a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como bandeiras, a catequese, a fundação e consolidação da agricultura tropical, as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco... (pág.73)

3°-O português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação, cuja base se deslocou, com sensível déficit, do trigo para a mandioca; o seu sistema de lavoura, que as condições, físicas e químicas de solo, tanto quanto as de temperatura ou de clima, não permitiram fosse o mesmo doce trabalho as terras portuguesas. (pág.76)

4°-Antes de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil, não se compreendia outro tipo de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração comercial através de feitorias ou da pura extração de riqueza mineral. (pág. 78)

5°-O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal - ouro, a prata, a madeira, o âmbar, o marfim – para a de criação local de riquezas. (pág. 79)

6°-No Brasil, como nas colônias inglesas de tabaco, de algodão e de arroz da América do Norte, as grandes plantações foram obras não do estado colonizador, sempre somítico em Portugal, mas de corajosa iniciativa particular. Esta é que nos trouxe pela mão de Martim Afonso, ao Sul, e principalmente de um Duarte Coelho, ao Norte, os primeiros colonos sólidos, as primeiras mães de família, as primeiras sementes, o primeiro gado, os primeiros animais de transporte, plantas alimentares, instrumentos agrícolas, mecânicos judeus para as fabricas de açúcar, escravos africanos para o trabalho de eito e de bagaceira. (pág. 80)

7°-(...) Oliveira Viana tem razão quando escreve que entre as Índias “com uma maravilhosa riqueza acumulada e uma longa tradição comercial com os povos do Oriente e Ocidente” e o Brasil “com uma população de aborígines ainda na idade da pedra polida” havia diferença essencial. “Essa ausência de riqueza organizada, essa falta de base para organização puramente comercial”... (pág. 87)

8°-Grande parte de sua alimentação davam-se eles ao luxo tolo de mandar vir de Portugal e das ilhas; do que resultava consumirem viveres nem sempre bem conservados: carne, cereais e até frutos secos, depreciados nos seus princípios nutritivos, quando não deteriorados pelo mau acondicionamento ou pelas circunstâncias do transporte irregular e moroso. Por mais esquisito que pareça, faltavam à mesa da nossa aristocracia colonial legumes frescos, carne verde e leite. Daí, certamente, muitas das doenças do aparelho digestivo, comuns na época e por muito doutor capturas atribuídas aos “maus ares”. (pág.98).

9º - Na zona agrícola tamanho foi sempre o descuido por outras lavouras exceto a da cana-de-açúcar ou do tabaco, que a Bahia, com o todo o seu fasto, chegou no sec.XVIII a sofrer de “extraordinária falta de farinhas”, pelo que de 1788 em diante mandaram os governadores de a capitania incluir nas datas de terra a clausula de que ficava o proprietário obrigado a plantar “mil covas de mandioca por cada escravo que possuísse empregado na cultura da terra”. (pag.99)
10º- (...) terra de alimentação incerta e vida difícil é que foi o Brasil dos três séculos colônias (...). Os grandes senhores rurais sempre endividados. As saúvas, as enchentes, as secas dificultando ao grosso da população o suprimento de víveres. (pag.100-101)

11º- (...). O bispo de Tucumã, tendo visitado o Brasil no século XVII, observou que nas cidades “mandava comprar um frangão, quatro ovos e um peixe e nada lhe traziam, porque nada se achava na praça nem o açougue”; tinha que recorrer às casas particulares dos ricos. (...). Anchieta refere nas suas que em Pernambuco não havia matadouro nas vilas precisando os padres do colégio de criar algumas cabeças de bois e vacas para sustento seu e dos meninos: “se assim não o fizessem, não teria o que comer”. E acrescenta: “Todos sustentam - se mediocremente ainda que com trabalho por as cousas valerem mui caras, e tresdobro do que em Portugal”. Da carne de vaca informa não ser gorda: “não muito gorda por não ser a terra fértil de pastos”. E quanto a legumes: “da terra há muito poucos”. É ainda do padre Anchieta a informação: “Alguns ricos comem pão e farinha de trigo de Portugal, máxime em Pernambuco e Bahia, e de Portugal também lhes vem vinho, azeite, azeitona, queijo, conserva e outras cousas de comer”. (pag.102)

12º- A eficiência estava no interesse do senhor conservar no negro- seu capital, sua maquina de trabalho, alguma coisa de si mesmo: de onde a alimentação farta e reparadora que Peckolt observou dispensarem os senhores aos escravos no Brasil. (pag.107)

13º- Transforma-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra, de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana, de mandar brigar na sua presença capoeiras, galos e canários- tantas vezes manifestos pelo senhor de engenho quando homem feito; no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou administração pública; ou no simples e puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em casa-grande de engenho. (pag. 113-114)

14º- (...) a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em “principio Autoridade” ou “defesa da Ordem”. Entre essas duas místicas- a da Ordem e da liberdade, a da Autoridade e a Democracia- é que se vêm equilibrados entre nós a vida política, precocemente saída do regime de senhores e escravos. (...) Talvez em parte alguma se esteja verificado com igualdade o encontro, a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou antes, antagônicas, de cultura, como o Brasil. (...) o regime brasileiro, em vários sentidos sociais um dos mais democráticos, flexíveis e plásticos. (pag.114-115)    

15º- Na cristianização dos caboclos pela música, pelo canto, pela liturgia, pelas profissões, festas, danças religiosas, mistérios, comédias, pela distribuição de verônicas com ágnus-dei; que os caboclos penduravam no pescoço, de cordões, de fitas e rosários; pela adoração de relíquias do Santo Lenho e de cabeças das Onze mil virgens. (pag. 115)

16º- Os espanhóis apressam entre os incas, astecas e maias a dissolução dos valores nativos na fúria de destruírem uma cultura já na fase de semi civilização; já na segunda muda; e que por isso mesmo lhes pareceu perigosa ao cristianismo e desfavorável à fácil exploração das grandes riquezas minerais. (pag. 157)

17º- O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram primeiras a se entregarem aos bancos, o mais ardente indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho. (pag. 161)

18º- (...)- “o índio não faz distinção definida entre homem e o animal. Acredita que todos os animais possuem alma, em essência da mesma qualidade que a do ser humano; que intelectual e moralmente seu nível seja o mesmo que o homem.” (pag. 167)

19º- (...). O da freqüência do encarnado no trajo popular da mulher brasileira, principalmente no Nordeste e na Amazônica, típico daqueles em que as três influências- a ameríndia, a africana e a portuguesa- aparecem reunidas em uma só, sem antagonismo nem atrito. Em sua origem, e por qualquer das três vias, trata-se de um costume místico, de proteção ou de profilaxia do individuo contra espíritos ou influências más. (pag. 173)

20º- Aos portugueses parece que a mística do vermelho se teria comunicado através dos mouros e dos negros africanos; e tão intensamente que em Portugal: O vermelho domina como em nenhum país da Europa, não só o trajo das mulheres do povo... Como por profilaxia contra malícias espirituais, vária outra expressão da vida popular e da arte domestica. Vermelho deve ser o telhado das casas para proteger quem mora debaixo deles. (pag.173-174)

21º- (...) Embora já um tanto perdida entre o povo a noção profilática do vermelho, é evidente que a origem dessa predileção prende-se a motivos místicos. E é ainda o encarnado entre os portugueses a cor do amor, do desejo de casamento. (pag.174)

22º- Nos africanos, encontra-se a mística do vermelho associada às principais cerimônias da vida, ao que parece com o mesmo caráter profilático que entre os ameríndios. (pag. 174)

23º- Como salienta Karsten, o selvagem considera os grandes inimigos do corpo não os insetos e bichos, mas os espíritos maus. Estes o homem primitivo imagina sempre à espreita de oportunidades para lhe penetrarem no corpo: pela boca, pelas ventas, pelos olhos, pelos ouvidos, pelo cabelo. Importa, pois, que todas essas partes, consideradas as mais criticas e vulneráveis do corpo, sejam particularmente resguardadas das influências malignas. Daí o uso de batoques, penas e fusos atravessados no nariz ou nos lábios; de pedras, ossos e dentes de animais; a raspagem de cabelo, que no Brasil Pero Vaz de Caminho foi o primeiro a notar nos índios e nas índias nuas; os dentes às vezes pintados de preto. Tudo para esconjurar espíritos maus, afastá-los das partes vulneráveis do homem. (pag. 175)

24º- Como no caso da mandioca, no peixe é a Amazônica a região de cultura brasileira que se conserva mais próxima das tradições indígenas. (pag. 194)

25º- (...) ao amendoim, ou mendubi, produto que os indígenas não colhiam à toa pelo mato: era dos raros que faziam parte do seu rudimentar sistema de agricultura: “em a qual planta e beneficio dela não entra homem macho; só as índias os costumam plantar. (pag. 197)

26º- Gabriel Soares fixa o costume entre os índios de porem nos filhos nomes de animais, peixe, arvore etc. nomes que Karsten verificou serem em geral os dos nomes animais representados nas máscaras de danças sagradas... Eram os nomes em certas tribos substituídos por uns como apelidos, parecendo pertencer a essa categoria os nomes “nada poéticos recolhidos por Teodoro Sampaio: Guiraguinguira/ o traseiro do pássaro), Miguiguaçu (as nádegas grandes), Cururupeba (o sapo miúdo) etc. Parece que o fim desses nomes era tornar a pessoa repugnante dos demônios. (pag. 210)
27º- (...) é o folclore, são os contos populares, as superstições, as tradições que o indicam. São as muitas historias, de sabor tão brasileiro, de casamento de gente com animais, de compadrismo ou amor entre homens e bichos, no gosto das que Hartland filia às culturas totêmicas. História que correspondem, na vida real, a uma atitude de tolerância, quando não de nenhuma repugnância, pela união sexual do homem com besta; atitude generalizadíssima entre os meninos brasileiros do interior. No sertanejo mais do que no de engenho; neste, porém, bastante comum para pode ser destacada como complexo nesse caso tanto sociológico como freudiano- da cultura brasileira. (pag. 211)

28º- Gabriel Soares, com a sua sagacidade de homem pratico, apresenta os caboclos aqui encontrados em 1500 como “engenhosos para tomarem quanto lhes ensinam os brancos”; excetuando precisamente aqueles exercícios memônicos e de racionío e abstração... A principio, em ensinar aos índios em seus colégios: “Coisa de conta” ou de “sentido”, nas palavras do cronista ler, contar, escrever, soletrar, rezar em latim. Em tais exercícios se revelariam os indígenas sem gosto nenhum de aprender; sendo fácil de imaginar a tristeza que deve ter sido para eles o estudo nos colégios dos padres. Tristeza apenas suavizada pelas lições de canto e música; pela representação de milagres e de outros religiosos; pela aprendizagem de um ou outro oficio manual. Daí concluir Anchieta pela “falta de engenho” dos indígenas; o próprio. Gabriel Soares descreve os Tupinambás como “muitos bárbaros” de entendimento. (pag.214)

29º- O processo civilizador dos jesuítas consistiu principalmente nesta inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao homem: na criança trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande. (pag. 218)

30º- Ainda assim o Brasil é dos países americanos onde mais se tem salvado da cultura e dos valores nativos. O imperialismo português- o religioso dos padres, o econômico dos colonos- se desde o primeiro contato com a cultura indígena feriu-a de morte, não foi para abatê-las de repente... (pag. 231)

31º- (...) A introversão do índio, em contraste com a extroversão do negro da África, pode-se verificar a qualquer momento no fácil laboratório que, para experiências desse gênero, é o Brasil. Contrastando-se o comportamento de populações negróides como a baiana-alegre, expansiva, sociável, loquaz- com outras menos influenciadas pelo sangue negro e mais pelo indígena a piauiense, a paraibana ou mesmo a pernambucana tem-se a impressão de povos diversos. Populações tristonhas, caladas, sonsas e até sorumbáticas, as do extremo Nordeste, principalmente nos sertões; sem a alegria comunicativa dos baianos; sem aquela sua petulância às vezes irritante. Mas também sem a sua graça, a sua espontaneidade, a sua cortesia, o seu riso bom e contagioso. Na Bahia tem-se a impressão de que todo dia é dia de festa. Festa de igreja brasileira com folha de canela, bolo, foguete, namoro. (pag. 372)

32º- A verdade é que importaram- se para o Brasil, da área mais penetrada pelo islamismo, negros maometanos de cultura superior não só à dos indígenas como à da grande maioria dos colonos brancos- portugueses e filhos de portugueses quase sem instrução nenhuma, analfabetos uns, semi- analfabetos na maior parte. Gente que quando tinha de escrever uma carta ou de fazer uma conta era pela mão do padre-mestre ou pela cabeça do caixeiro. Quase só sabiam lançar no papel a jamegão; e este mesmo em letra troncha. Letras de mesmo aprendendo a escrever. (pag.381-382)

34º- (...) O relatório do chefe de policia da província da Bahia, por ocasião da revolta, o Dr. Francisco Gonçalves Martins, salienta o fato de quase todos os revoltosos saberem ler e escrever em caracteres desconhecidos (...) “se assemelham ao árabe”, acrescenta o bacharel, pasmado, naturalmente, de tanto manuscrito redigido por escravo. (...) É que nas senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das Casas-Grandes. (pag. 382)

35º- (...) conselheiro Rui Barbosa, ministro do Governo Provisório após a proclamação da Republica de 1889, por motivos ostensivamente de ordem econômica-a circular emanou do Ministro da Fazenda sob o nº29 e com data de 13 de maio de 1891- mandou queimar os arquivos da escravidão. Talvez esclarecimentos genealógicos preciosos se tenham perdido nesses autos-de-fé republicanos. (pag. 383-384)