LIVRO: Casa Grande e Senzala
AUTOR: Gilberto Freyre
1º-Com relação ao Brasil, que o diga o ditado: “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar”; ditado em que se sente, ao lado do convencialismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta, a preferência sexual pela mulata... (pág.72)
2°-No Brasil, tanto São Paulo como Pernambuco - os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização, os produtos no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical – a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como bandeiras, a catequese, a fundação e consolidação da agricultura tropical, as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco... (pág.73)
3°-O português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação, cuja base se deslocou, com sensível déficit, do trigo para a mandioca; o seu sistema de lavoura, que as condições, físicas e químicas de solo, tanto quanto as de temperatura ou de clima, não permitiram fosse o mesmo doce trabalho as terras portuguesas. (pág.76)
4°-Antes de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil, não se compreendia outro tipo de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração comercial através de feitorias ou da pura extração de riqueza mineral. (pág. 78)
5°-O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal - ouro, a prata, a madeira, o âmbar, o marfim – para a de criação local de riquezas. (pág. 79)
6°-No Brasil, como nas colônias inglesas de tabaco, de algodão e de arroz da América do Norte, as grandes plantações foram obras não do estado colonizador, sempre somítico em Portugal, mas de corajosa iniciativa particular. Esta é que nos trouxe pela mão de Martim Afonso, ao Sul, e principalmente de um Duarte Coelho, ao Norte, os primeiros colonos sólidos, as primeiras mães de família, as primeiras sementes, o primeiro gado, os primeiros animais de transporte, plantas alimentares, instrumentos agrícolas, mecânicos judeus para as fabricas de açúcar, escravos africanos para o trabalho de eito e de bagaceira. (pág. 80)
7°-(...) Oliveira Viana tem razão quando escreve que entre as Índias “com uma maravilhosa riqueza acumulada e uma longa tradição comercial com os povos do Oriente e Ocidente” e o Brasil “com uma população de aborígines ainda na idade da pedra polida” havia diferença essencial. “Essa ausência de riqueza organizada, essa falta de base para organização puramente comercial”... (pág. 87)
8°-Grande parte de sua alimentação davam-se eles ao luxo tolo de mandar vir de Portugal e das ilhas; do que resultava consumirem viveres nem sempre bem conservados: carne, cereais e até frutos secos, depreciados nos seus princípios nutritivos, quando não deteriorados pelo mau acondicionamento ou pelas circunstâncias do transporte irregular e moroso. Por mais esquisito que pareça, faltavam à mesa da nossa aristocracia colonial legumes frescos, carne verde e leite. Daí, certamente, muitas das doenças do aparelho digestivo, comuns na época e por muito doutor capturas atribuídas aos “maus ares”. (pág.98).
9º - Na zona agrícola tamanho foi sempre o descuido por outras lavouras exceto a da cana-de-açúcar ou do tabaco, que a Bahia, com o todo o seu fasto, chegou no sec.XVIII a sofrer de “extraordinária falta de farinhas”, pelo que de 1788 em diante mandaram os governadores de a capitania incluir nas datas de terra a clausula de que ficava o proprietário obrigado a plantar “mil covas de mandioca por cada escravo que possuísse empregado na cultura da terra”. (pag.99)
10º- (...) terra de alimentação incerta e vida difícil é que foi o Brasil dos três séculos colônias (...). Os grandes senhores rurais sempre endividados. As saúvas, as enchentes, as secas dificultando ao grosso da população o suprimento de víveres. (pag.100-101)
11º- (...). O bispo de Tucumã, tendo visitado o Brasil no século XVII, observou que nas cidades “mandava comprar um frangão, quatro ovos e um peixe e nada lhe traziam, porque nada se achava na praça nem o açougue”; tinha que recorrer às casas particulares dos ricos. (...). Anchieta refere nas suas que em Pernambuco não havia matadouro nas vilas precisando os padres do colégio de criar algumas cabeças de bois e vacas para sustento seu e dos meninos: “se assim não o fizessem, não teria o que comer”. E acrescenta: “Todos sustentam - se mediocremente ainda que com trabalho por as cousas valerem mui caras, e tresdobro do que em Portugal”. Da carne de vaca informa não ser gorda: “não muito gorda por não ser a terra fértil de pastos”. E quanto a legumes: “da terra há muito poucos”. É ainda do padre Anchieta a informação: “Alguns ricos comem pão e farinha de trigo de Portugal, máxime em Pernambuco e Bahia, e de Portugal também lhes vem vinho, azeite, azeitona, queijo, conserva e outras cousas de comer”. (pag.102)
12º- A eficiência estava no interesse do senhor conservar no negro- seu capital, sua maquina de trabalho, alguma coisa de si mesmo: de onde a alimentação farta e reparadora que Peckolt observou dispensarem os senhores aos escravos no Brasil. (pag.107)
13º- Transforma-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra, de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana, de mandar brigar na sua presença capoeiras, galos e canários- tantas vezes manifestos pelo senhor de engenho quando homem feito; no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou administração pública; ou no simples e puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em casa-grande de engenho. (pag. 113-114)
14º- (...) a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em “principio Autoridade” ou “defesa da Ordem”. Entre essas duas místicas- a da Ordem e da liberdade, a da Autoridade e a Democracia- é que se vêm equilibrados entre nós a vida política, precocemente saída do regime de senhores e escravos. (...) Talvez em parte alguma se esteja verificado com igualdade o encontro, a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou antes, antagônicas, de cultura, como o Brasil. (...) o regime brasileiro, em vários sentidos sociais um dos mais democráticos, flexíveis e plásticos. (pag.114-115)
15º- Na cristianização dos caboclos pela música, pelo canto, pela liturgia, pelas profissões, festas, danças religiosas, mistérios, comédias, pela distribuição de verônicas com ágnus-dei; que os caboclos penduravam no pescoço, de cordões, de fitas e rosários; pela adoração de relíquias do Santo Lenho e de cabeças das Onze mil virgens. (pag. 115)
16º- Os espanhóis apressam entre os incas, astecas e maias a dissolução dos valores nativos na fúria de destruírem uma cultura já na fase de semi civilização; já na segunda muda; e que por isso mesmo lhes pareceu perigosa ao cristianismo e desfavorável à fácil exploração das grandes riquezas minerais. (pag. 157)
17º- O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram primeiras a se entregarem aos bancos, o mais ardente indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho. (pag. 161)
18º- (...)- “o índio não faz distinção definida entre homem e o animal. Acredita que todos os animais possuem alma, em essência da mesma qualidade que a do ser humano; que intelectual e moralmente seu nível seja o mesmo que o homem.” (pag. 167)
19º- (...). O da freqüência do encarnado no trajo popular da mulher brasileira, principalmente no Nordeste e na Amazônica, típico daqueles em que as três influências- a ameríndia, a africana e a portuguesa- aparecem reunidas em uma só, sem antagonismo nem atrito. Em sua origem, e por qualquer das três vias, trata-se de um costume místico, de proteção ou de profilaxia do individuo contra espíritos ou influências más. (pag. 173)
20º- Aos portugueses parece que a mística do vermelho se teria comunicado através dos mouros e dos negros africanos; e tão intensamente que em Portugal: O vermelho domina como em nenhum país da Europa, não só o trajo das mulheres do povo... Como por profilaxia contra malícias espirituais, vária outra expressão da vida popular e da arte domestica. Vermelho deve ser o telhado das casas para proteger quem mora debaixo deles. (pag.173-174)
21º- (...) Embora já um tanto perdida entre o povo a noção profilática do vermelho, é evidente que a origem dessa predileção prende-se a motivos místicos. E é ainda o encarnado entre os portugueses a cor do amor, do desejo de casamento. (pag.174)
22º- Nos africanos, encontra-se a mística do vermelho associada às principais cerimônias da vida, ao que parece com o mesmo caráter profilático que entre os ameríndios. (pag. 174)
23º- Como salienta Karsten, o selvagem considera os grandes inimigos do corpo não os insetos e bichos, mas os espíritos maus. Estes o homem primitivo imagina sempre à espreita de oportunidades para lhe penetrarem no corpo: pela boca, pelas ventas, pelos olhos, pelos ouvidos, pelo cabelo. Importa, pois, que todas essas partes, consideradas as mais criticas e vulneráveis do corpo, sejam particularmente resguardadas das influências malignas. Daí o uso de batoques, penas e fusos atravessados no nariz ou nos lábios; de pedras, ossos e dentes de animais; a raspagem de cabelo, que no Brasil Pero Vaz de Caminho foi o primeiro a notar nos índios e nas índias nuas; os dentes às vezes pintados de preto. Tudo para esconjurar espíritos maus, afastá-los das partes vulneráveis do homem. (pag. 175)
24º- Como no caso da mandioca, no peixe é a Amazônica a região de cultura brasileira que se conserva mais próxima das tradições indígenas. (pag. 194)
25º- (...) ao amendoim, ou mendubi, produto que os indígenas não colhiam à toa pelo mato: era dos raros que faziam parte do seu rudimentar sistema de agricultura: “em a qual planta e beneficio dela não entra homem macho; só as índias os costumam plantar. (pag. 197)
26º- Gabriel Soares fixa o costume entre os índios de porem nos filhos nomes de animais, peixe, arvore etc. nomes que Karsten verificou serem em geral os dos nomes animais representados nas máscaras de danças sagradas... Eram os nomes em certas tribos substituídos por uns como apelidos, parecendo pertencer a essa categoria os nomes “nada poéticos recolhidos por Teodoro Sampaio: Guiraguinguira/ o traseiro do pássaro), Miguiguaçu (as nádegas grandes), Cururupeba (o sapo miúdo) etc. Parece que o fim desses nomes era tornar a pessoa repugnante dos demônios. (pag. 210)
27º- (...) é o folclore, são os contos populares, as superstições, as tradições que o indicam. São as muitas historias, de sabor tão brasileiro, de casamento de gente com animais, de compadrismo ou amor entre homens e bichos, no gosto das que Hartland filia às culturas totêmicas. História que correspondem, na vida real, a uma atitude de tolerância, quando não de nenhuma repugnância, pela união sexual do homem com besta; atitude generalizadíssima entre os meninos brasileiros do interior. No sertanejo mais do que no de engenho; neste, porém, bastante comum para pode ser destacada como complexo nesse caso tanto sociológico como freudiano- da cultura brasileira. (pag. 211)
28º- Gabriel Soares, com a sua sagacidade de homem pratico, apresenta os caboclos aqui encontrados em 1500 como “engenhosos para tomarem quanto lhes ensinam os brancos”; excetuando precisamente aqueles exercícios memônicos e de racionío e abstração... A principio, em ensinar aos índios em seus colégios: “Coisa de conta” ou de “sentido”, nas palavras do cronista ler, contar, escrever, soletrar, rezar em latim. Em tais exercícios se revelariam os indígenas sem gosto nenhum de aprender; sendo fácil de imaginar a tristeza que deve ter sido para eles o estudo nos colégios dos padres. Tristeza apenas suavizada pelas lições de canto e música; pela representação de milagres e de outros religiosos; pela aprendizagem de um ou outro oficio manual. Daí concluir Anchieta pela “falta de engenho” dos indígenas; o próprio. Gabriel Soares descreve os Tupinambás como “muitos bárbaros” de entendimento. (pag.214)
29º- O processo civilizador dos jesuítas consistiu principalmente nesta inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao homem: na criança trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande. (pag. 218)
30º- Ainda assim o Brasil é dos países americanos onde mais se tem salvado da cultura e dos valores nativos. O imperialismo português- o religioso dos padres, o econômico dos colonos- se desde o primeiro contato com a cultura indígena feriu-a de morte, não foi para abatê-las de repente... (pag. 231)
31º- (...) A introversão do índio, em contraste com a extroversão do negro da África, pode-se verificar a qualquer momento no fácil laboratório que, para experiências desse gênero, é o Brasil. Contrastando-se o comportamento de populações negróides como a baiana-alegre, expansiva, sociável, loquaz- com outras menos influenciadas pelo sangue negro e mais pelo indígena a piauiense, a paraibana ou mesmo a pernambucana tem-se a impressão de povos diversos. Populações tristonhas, caladas, sonsas e até sorumbáticas, as do extremo Nordeste, principalmente nos sertões; sem a alegria comunicativa dos baianos; sem aquela sua petulância às vezes irritante. Mas também sem a sua graça, a sua espontaneidade, a sua cortesia, o seu riso bom e contagioso. Na Bahia tem-se a impressão de que todo dia é dia de festa. Festa de igreja brasileira com folha de canela, bolo, foguete, namoro. (pag. 372)
32º- A verdade é que importaram- se para o Brasil, da área mais penetrada pelo islamismo, negros maometanos de cultura superior não só à dos indígenas como à da grande maioria dos colonos brancos- portugueses e filhos de portugueses quase sem instrução nenhuma, analfabetos uns, semi- analfabetos na maior parte. Gente que quando tinha de escrever uma carta ou de fazer uma conta era pela mão do padre-mestre ou pela cabeça do caixeiro. Quase só sabiam lançar no papel a jamegão; e este mesmo em letra troncha. Letras de mesmo aprendendo a escrever. (pag.381-382)
34º- (...) O relatório do chefe de policia da província da Bahia, por ocasião da revolta, o Dr. Francisco Gonçalves Martins, salienta o fato de quase todos os revoltosos saberem ler e escrever em caracteres desconhecidos (...) “se assemelham ao árabe”, acrescenta o bacharel, pasmado, naturalmente, de tanto manuscrito redigido por escravo. (...) É que nas senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das Casas-Grandes. (pag. 382)
35º- (...) conselheiro Rui Barbosa, ministro do Governo Provisório após a proclamação da Republica de 1889, por motivos ostensivamente de ordem econômica-a circular emanou do Ministro da Fazenda sob o nº29 e com data de 13 de maio de 1891- mandou queimar os arquivos da escravidão. Talvez esclarecimentos genealógicos preciosos se tenham perdido nesses autos-de-fé republicanos. (pag. 383-384)
Muito Bom!!!!!! Paulo Vasconcelos paulovas@gmail.com
ResponderExcluirMuito obrigada Paulo, futuramente viram mais citações como essa.
ResponderExcluirmuito bom!
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